4.18.2006

Fé em Deus e Pé na Tábua

Há muito que a fé parecia perdida. Acho que tinha uns treze anos quando senti que o mistério era muito maior, que tudo faria sentido, mas em um reino de outro mundo. Me acomodei na ignorância. Depois disso foram poucas as vezes em que senti um pouco daquele elo de fé. Esse ano, talvez pela primeira vez, a semana santa cumpriu o seu papel. Uma renovação de sentidos. A começar pelo olhar. Um olhar febril por trás da máscara de um farricoco. A cidade pegava fogo quando olhada por cima e em meio ao fogo um sopro fresco na alma. Goiás Velho exala uma energia diferente, como se nenhum outro lugar no mundo existisse e o tempo parasse naquele caminhar acelerado da multidão. A audição se aguçava, tanto com o rufar dos tambores, quanto com a conversa mansa de Dona Terezinha, o exemplo de senhora que ainda vou ser, tanta euforia, tanta vida, uma vida especialmente simples para quem sabe viver.
O gosto da manhã renovada era o gosto da estrada. Manhã leve, solzinho quente na medida certa para ativar um longo dia. Viajar causa tantas sensações, nos permite, mais: um olho na estrada, outro no som e outro no pensamento. Voltar para a casa então, torna a viagem ainda mais especial. Principalmente quando a casa está cheia, novas sensações de retorno e resgate da família.
E a lua, enorme, fasceira e malandra, fazendo fricote se escondendo entre as nuvens. Já era um outro dia, que na verdade se emendou com todos os outros e tornou-se um tempo só. Tempo antigo. 2006 anos atrás e um clima de interior, provinciano, acalentado pelo cheiro de pipoca de carrinho. Encenação e procissão de rua: a Paixão de Cristo. Dava quase para tatear as lágrimas de Nossa Senhora, o olhar distante de Jesus e a voz firme de Pilatos. O andar cada vez mais pesado se aliviava a cada olhadela para a lua. E sempre mais alívio para a alma. E 2006 anos se passaram e é chegado o fim, a hora da despedida. A vez da família preencher o coração. Depois da morte, a ressurreição acontece de outro jeito. Trocamos Deus por Deus. A risada gostosa, lágrimas ternas e um calor de amor tão grande que a solução foi cair na água de roupa e tudo, fazendo mais uma vez o tempo parar. O canto de despedida se prolonga e os abraços fazem até o coraçãozinho mais infantil chorar. A estrada agora acomoda a família que volta para a casa, e eu fico, plena de fé, como se nunca tivesese deixado os treze anos.

1 Comments:

At 8:06 PM, Anonymous Anônimo said...

Que lindo! Muita fé sempre... e uma luz clareando o caminho! Paz!

 

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